CARTA A UMA JOVEM POETA

O Rato Cinza
9 min readJul 4, 2021

Olá. Estou escrevendo porque você me incitou a fazê-lo. Desde já advirto que não vou ter cuidados especiais com a linguagem, o estilo e o conteúdo da mensagem. Atualmente, nesta plataforma, quanto menos a literatura for invocada, menos ela será violentada.

Como você está? Espero que bem. Espero que esteja escrevendo bastante, progredindo, fazendo experimentos. Tomara que esteja forçando os limites das técnicas que você usa para se expressar. Você tem todo tempo do mundo para desenvolver a sua voz. O escritor que ainda não realizou todo o seu potencial não tem o direito de se repetir por mais tempo que o necessário num estilo. Você tem um talento perigoso e talvez eu volte a falar especialmente disso nesta carta.

Todas as vezes em que eu tentei resolver as coisas com você em bons termos, eu recebia de volta respostas sem efeito e verdade. E depois uma tonelada de indiretas, convites cifrados para tentativas de soluções e conciliações impossíveis. Tudo sempre deu errado. Entre várias razões, porque o método que eu usava para me comunicar era equivocado. Eu emitia uma mensagem objetiva esperando uma resposta no mesmo formato direto da pergunta. E isso nunca foi possível. Nunca seria possível você entrar em detalhes do porquê, quando, onde e o que lhe levou a agir como agiu. Vamos fazer este acerto de contas de outra maneira: vou me desculpar pelo o que considero devido. Vou dizer o que penso que deva ser dito. E em seguida vou me levantar da mesa sem resposta e em definitivo.

Eu peço desculpas por tê-la pressionado a tomar providências que eu achava necessárias quando você não demonstrava vontade ou condições de fazê-lo. Eu peço mil desculpas pelas vezes em que você se sentiu rejeitada. E digo que você está completamente dispensada de levar em conta as vezes em que eu experimentei rejeição. Lamento muito por ter colocado você numa saia justa em julho do ano passado. Das coisas que estiverem passando pela sua cabeça e eu não conseguir sondar, a elas um cheque em branco: sinto muito por todas. E, acima de tudo, eu lamento muito não ter respeitado a sua juventude. Eu sei que em todas as vezes que demonstrei preocupação com a sua idade você se apressou em sinalizar que isso não era uma questão. Mas o tempo vai lhe mostrar que eu poderia ter me conduzido de maneira melhor nesse assunto. Outro desencargo: a mim pouco importa quando veio a primeira punhalada. Em julho, junho, maio, abril do ano passado. Isso só faz diferença ainda pra gente burra e perversa com imaginação minúscula e muita vontade de ver o circo pegar fogo. Dane-se. Seguem valendo os meus pedidos de desculpa.

Eu vou colocar as coisas para você sem depender de credibilidade, e sim da lógica, do fundamento e das possibilidades de verificar na prática as ideias que forem propostas. Por exemplo: a frase “eu não mantive relações sexuais com esta mulher” terá níveis de credibilidade diferentes se quem a disser for Jesus Cristo ou Bill Clinton. Mas tanto Bill Clinton quanto Jesus Cristo são igualmente verificáveis e de mesmo valor ao dizerem “a maioria das tardes do Rio de Janeiro, ao longo do ano, são de céu azul”. Aqui nós vamos apostar no segundo tipo de frase.

As pessoas estão escrevendo sobre nós. Nesta confusão, há três pessoas que frequentam este site e que estão sendo muito mais expostas do que o aceitável. Duas delas sofrem de depressão, uma das duas você conhece há mais de vinte anos. Nenhuma dessas duas sou eu. Você ganha o que com isto? Há sujeitos ridículos dizendo coisas referentes à minha vida. E se é referente à minha vida nos últimos meses, sempre será também relacionado à sua vida e colocando você numa condição de insegurança jurídica. Você ganha o quê com isto? Por essas horas, há homens ridículos tentando juntar centavos na Amazon às custas de coisas tiradas da minha casa e que também dizem respeito à sua vida. Eu não sou um entendedor profundo de política. Mas posso afirmar que solidariedade racial, de gênero, de classe, nenhuma forma de solidariedade política ou amizade resulta em gente sem talento tentando tirar 1,99 de vantagem na Amazon. Você ganha o quê com isto?

Peço que você responda para si mesma em silêncio: Quanto tempo você leva para editar uma prosa literária de três a quatro laudas? Quanto te consome de energia escrever um poema? Quanto te consome, em termos de energia, escrever dez poemas num curto intervalo de tempo? E se você escrevesse quatro contos ou prosas poéticas num período de um mês, nas horas livres e sem remuneração? Seria tranquilo ou lhe deixaria exaurida? Eu peço que observe essas perguntas para averiguar se concorda que a literatura nos dá muitas coisas, mas em troca, em certo ponto, ela nos esgota. E então precisamos de pausa e fôlego para começarmos de novo.

Nesta plataforma, um grupo grande de pessoas vem direcionando suas prosas e versos raquíticos a um inimigo só. Ninguém aguenta escrever tanto sobre um só assunto, com uma só motivação, por um mês, dois, três, seis meses, por um ano; com frequência quinzenal, semanal, às vezes quase diária; ninguém consegue deter tanta disciplina sobre uma inimizade apenas por contingência, porque aconteceu. Fazer arte de qualquer tipo é atraente porque nos permite circular os afetos que mais nos atravessam. Só é possível produzir tantas linhas por tanto tempo contra o inimigo porque são justamente esses afetos negativos que governam as mentes e as produções “artísticas” dessas pessoas em primeiro lugar, acima de tudo e desde sempre. É disso que elas são feitas. É só observar em volta aqueles que pararam no meio do caminho. Os que ficam meses sem aparecer e os que desistiram desde janeiro, ou fevereiro, ou dezembro do ano passado. Esses são os que abriram os bicos por falta de fôlego e inclinação a essas práticas.

Eu penso que em algum nível você tem compreensão do que merece ser escrito. Vejo agora que você tem publicado pouco nos últimos meses. É algo bom ter pulmão insuficiente pra este tipo de atmosfera. Para além disso, nós dois não devemos ter sequer três coisas em comum. Mas ambos sofremos de faltas profundas. A mim tem faltado dinheiro e capacidade de manobra no tempo para voltar ao passado e evitar fazer o tipo de escrotice que leva uma pessoa a reprovar os próprios atos. Capacidade de voltar ao apartamento da minha avó no início de tudo, onde eu passava tardes correndo no terraço e terminava o dia tomando banho com meus primos, de três para quatros anos, sob vigilância das minhas tias que desde sempre cuidaram de mim junto à minha mãe e ensinaram-me lições que infelizmente traí mais de uma vez. A você tem faltado alguém acima dos trinta anos que lhe dê o conselho mais fundamental. Existem muitas pessoas ao seu redor neste site vampirizando a sua vida, a minha e a da mulher de quem eu gosto e com quem tenho me relacionado nos últimos meses. Nenhuma dessas pessoas teve a decência ou a competência de lhe dizer “sossega o facho, garota. Vai estudar pro Enade e para de se meter em encrenca”. Um esporro desses realmente poderia ser chamado de amor cristão. Mas eles preferem caçar audiência às custas desta história.

Você poderia ter recebido essa recomendação, de modo objetivo, sem gracinhas ou metáforas, no começo de julho do ano passado ou no meio. Seria perfeito se tivessem interrompido esse processo antes do dia cinco de agosto de 2020, ou antes do dia seis, quando a minha propriedade intelectual foi desrespeitada e eu comecei a querer me vingar pra valer. Mesmo assim, ainda em meados de setembro, antes de eu saber que minha casa vinha sendo violada, quando eu ainda acreditava que era só um problema de duas ou três senhas nas minhas redes sociais, você poderia ter recebido aconselhamento ou as pessoas poderiam ter parado de bater palmas pra você dançar. Até meados de outubro, algumas palavras prudentes tornariam a sua vida mais fácil hoje. Mas não existe sono confortável quando você deita num ninho de víboras. Pergunte-se o quão certa é a seguinte afirmação: ninguém que estimule, peça ou concorde que uma guria de vinte um anos mergulhe num atoleiro desses pode ser considerado amigo, parceiro, colega, amante, camarada ou cúmplice. Não pode ser considerado nada que o valha. Não interessa nem mesmo se foi você quem teve a ideia. Alguém mais maduro teria que dizer “não com a minha ajuda”.

Eu apresento a você uma lista de coisas óbvias:
1. O Flamengo vai ser campeão brasileiro de novo este ano;
2. o meu terceiro conto do asfalto é muito ruim porque eu tentei fazer coisas difíceis que não estavam ao meu alcance na época;
3. tudo o que você escreve é sobre você consigo mesma. Os homens representados são meros bonecos infláveis ou paredes num jogo poético de squash. Não tem nada de errado, gosto do método e já sei disso há tempos;
4. um sujeito que vem sendo acossado por uma gangue de dementes vai procurar alternativas para desarticular esse processo. Óbvio.
5. É previsível este sujeito recolher informações públicas para ligar os pontos e inteligir o que acontece.
6. É ridículo se indignar por esse sujeito coletar informações públicas quando os indignados em questão estão invadindo a casa alheia.
7. É de uma obviedade ululante o significado de eu proteger o seu nome do conhecimento de todas as pessoas com quem eu converso. Até mesmo aquelas por quem eu tenho mais amor. Isso é uma coisa boa, jovem poeta. Interprete os sinais.
8. O único escrito seu que me emocionou fora publicado há um ano atrás, exatamente. Mas tudo o que você escrevia me espantava pela qualidade, fazendo 90% dos textos publicados no Medium parecerem coisas de gente semi-alfabetizada.
9. Hoje em dia a sua prosa não me espanta mais. Mas ainda é muito boa.
10. Eu sei que AS PESSOAS EM VOLTA DE VOCÊ cogitam roubar minhas contas no twitter, no instagram (de novo), causar danos ao meu computador (de novo), importunar minha família e meus amigos falando coisas sobre mim. Importunar a mulher de quem eu gosto falando coisas sobre mim. Talvez importunar os meus vizinhos também. É muito óbvio. Eu já estou esperando por tudo isto.
11. É cristalino que as pessoas EM VOLTA DE VOCÊ vão tentar levar toda essa confusão pra mais gente. Vão arrastar youtubers e blogueiros pra isto sem que eles percebam que estão sendo usados como escudos humanos e buchas de canhão por gente que já transgrediu demais e agora precisa chamar a cavalaria.

Jovem poeta, chegou a hora de fazer a coisa apropriada. Para você, isto significa sair de dentro da casa onde eu vivo pela mesma porta indevida que você usou para entrar, sem causar danos, sem ataques, sem negociar nada. Em respeito às outras pessoas de minhas relações que estão sendo violadas. Você chegou no Medium nos últimos dias balançando o bico, a barbatana, dando saltos fora d’água, todos os movimentos que os golfinhos fazem para os navegantes olharem à direita enquanto os graves pertences do cardume são levados à esquerda. Não precisa disto. Eu não tenho interesse nenhum em fazer com que você perca os seu gabres pertences. Seria mentira se eu dissesse que perco noites de sono preocupado se você é feliz ou não. Por outro lado, a sua felicidade não é um obstáculo para mim em absolutamente nada.

Você merece se dar a chance de fazer a coisa certa. É assim. Você apenas começa. Sem condicionantes. Havia esse filósofo, Blaise Pascal, que provou, sob uma perspectiva hegemônica cristã, que a coisa mais racional a se fazer era a acreditar na existência de Deus e praticar a fé. Porque na hipótese d’Ele não existir, nada aconteceria. Mas se existisse, o reino dos Céus seria possível à alma crente. É claro que Pascal foi “refutado” porque o Deus cristão é onisciente e saberia se a fé é legítima ou especulativa. Mas os refutadores não entendem. O viciado em drogas e o marido abandonado entram pela primeira vez na igreja só em desespero. Só com raiva e provavelmente arrastados por um parente ou amigo. É no ato de repetir o entrelaçar de mãos sem convicção, o senta e levanta sem convicção, o repetir das preces centenas de vezes, que o sujeito se deixa levar, esquece da falsificação, intoxica-se com cheiro da fumaça da parafina derretida entrando pelo nariz até começar a acreditar genuinamente no milagre. Fazer a coisa certa todos os dias, mecanicamente, sem esquecer o que foi feito, mas chegar a um futuro em que os nervos e as vísceras esquecem como é essa coisa de ter estômago pra fazer maldades oitenta por cento do tempo. É o que eu estou tentando conseguir por uma via ateia. Talvez outras pessoas devam tentar.

Um abraço do Rato.

E.S.S.T.A

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